quarta-feira, 10 de outubro de 2012

A música da Cruz Quebrada na procissão de São Roque

Pode ter sido a última. No passado dia 7 realizou-se a procissão de São Roque. Descendo pela Rua da Misericórdia, o cortejo seguiu pela Rua do Loreto, Rua da Atalaia e voltou pela Travessa da Queimada. O andor viajou com os Bombeiros de Sacavém, à frente do pálio e atrás das diversas bandeiras, pendões e estandartes. Seis elementos da GNR do Carmo fizeram guarda-de-honra. A Banda da Sociedade de Instrução Musical Escolar Cruz Quebradense tocou a marcha grave intitulada «Hino da Paz». Indiferente ao acto, à emoção colectiva e a algumas lágrimas teimosas, o meu neto Pedro empurrava o seu carrinho de bebé. Ele não sabe que esta pode ter sido a última procissão. Seu pai (1981) e suas tias (1978, 1985) nasceram no BA, aqui foram à escola e à catequese, aqui fizeram licenciaturas e mestrados mas foram obrigados a partir para longe do Bairro e até do País. Pode ter sido a última. O sonho dos vereadores da CML é acabarem com a vida dos residentes do BA, transformando este espaço numa réplica dos bairros pobres de Bangkok onde só há bares e restaurantes e o turismo sexual floresce. Afastados os filhos dos residentes, só falta acabar com a vida dos actuais moradores. Repetem o que estão a fazer com a Feira da Luz: todos os anos há menos feirantes e, quando não houver feira, vamos todos comprar as coisas a um hipermercado. O meu neto Pedro aponta a tuba que brilha ao sol e sorri para o músico. Quando ele for adulto já não vai haver procissão e o BA onde o pai nasceu será um deserto habitado por bares e restaurantes. O sonho dos vereadores da CML é fazer do BA uma terra queimada, um deserto não habitado, o esplendor do vazio. Estão quase a conseguir. O meu neto não percebeu o sentido da música – é por todos nós que, triste, a marcha chora um tempo, um lugar e um Bairro que está a morrer.

José do Carmo Francisco
(Vinte Linhas 831)


Fonte: http://www.irmandadesaoroque.pt
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