quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Opinião: Desconcerto, o “Dia do Bairro Alto"


por João Filipe Guerreiro

A iniciativa “Dia do Bairro Alto” foi fortemente impulsionada pela ACBA (Associação dos Comerciantes do Bairro Alto) e contou com a participação, maior ou menor, da generalidade das entidades ligadas ao bairro. Gozou de um programa bem organizado e bem suportado em meios, à altura dos ecos que se fizeram sentir um pouco por toda a comunicação social.
No entanto, a natureza e constituição do programa reflectem claramente o seu principal impulsionador, cujo interesse é disseminar um Bairro Alto onde floresce uma arte, uma festa, um vinho e um fado, que não tem impacto algum sobre quem nele reside com a sua família. Uma iniciativa dos moradores (através da AMBA) que foi a exposição fotográfica “O Bairro, Antes, Durante e Depois da noite” encontra-se – a título de exemplo – ausente do sítio oficial das comemorações (aqui).
Não cabe aqui qualquer papel de crítica à organização, que foi excelente tanto na sua programação como na sua execução, estando os impulsionadores de parabéns.

Mas no meu entender a iniciativa enganou-se no âmbito.
Em vez de se chamar o “Dia do Bairro Alto”, deveria ter-se chamado de “O Dia do Frequentador do Bairro Alto” que é quem realmente procura a arte, a festa, o vinho e o fado que tanto se promoveu. A iniciativa em quase nada teve a haver com a realidade de quem reside no Bairro Alto e se levanta de manhã para ir levar os miúdos à escola, para o trabalho, e regressa à noite com os miúdos e as compras e apenas deseja fazer a sua vida. Mais: ofensiva tornou-se a sugestão caluniosa da associação do termo “gentrificação” ao Bairro Alto: no Bairro Alto não há nem houve alguma vez qualquer iniciativa ou política (pública ou privada) em curso de “gentrificação”.

Assim, eu que resido no Bairro Alto e que gasto dinheiro na recuperação patrimonial de um imóvel contemporâneo do casal Andrade, que acordo todos os dias com lixo, urina e outros dejectos no caminho para o trabalho, recusei-me a participar na iniciativa devido a este crasso erro de âmbito, visto que aquele dia não foi para mim, nem foi o dia do meu bairro. Foi um desconcerto.

Nota: O investigador-fotógrafo do ISCTE Ricardo Lopes, argumenta que "Se a Galeria Zé dos Bois tivesse de funcionar com todos os requisitos não estaria ali". Está certíssimo, mas a gestão da Galeria Zé dos Bois apercebe-se que se insere numa comunidade e tem este factor em atenção. O mesmo não acontece com tantos maus exemplos que nem cumprem regras para bares ("vãos de escada", ex-mercearias, DJ-Sets em espaços públicos concessionados, vendilhões ambulantes de cerveja e comida, etc) nem nada têm de "criatividade artística". Aqui, o investigador-fotógrafo do ISCTE, Pedro Costa, quando argumenta que "Se eu fizer cumprir todos as regras que definem como os bares têm de funcionar também deixo de ter criatividade artística" deveria separar muito bem o trigo do joio. A bem do rigor do lado de investigação que a instalação dos investigadores-fotógrafos sugeriu apresentar.

(João Filipe Guerreiro é morador, sócio e colaborador activo da AMBA)


Gentrificação

O (quase) anglicismo "gentrificação" tem como definição em português o "enobrecimento urbano" ou a "re-capitalização de espaços urbanos residenciais":
http://pt.wikipedia.org/wiki/Gentrifica%C3%A7%C3%A3o

No original em inglês, poderemos ir à origem da palavra "gentry" que se refere a "pequena nobreza/burguesia" há uma associação do processo ao movimento de populações de rendimentos superiores para zonas previamente ocupadas por outras de rendimentos inferiores. 
http://en.wikipedia.org/wiki/Gentrification

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