quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Rua da Misericórdia

Rua da Misericórdia

Ao contrário dos lojistas de Cesário Verde
Marta não usa a bata nem o guarda-pó
nem vende drogas, miudezas e ferragens.
Vende sim sonhos em forma de tela colorida
seja o acrílico, o óleo, o pastel ou a aguarela
em paisagens povoadas por gente mais diversa.
Às vezes são grandes plantações de alfazema
ou são músicos em clubes nocturnos de jazz
ou ainda palhaços no intervalo das lágrimas.
Marta sabe; o Bairro Alto nasceu em 1513
um casal assinou a escritura num tabelião
e assim nasceu um bairro fora da muralha.
Algures entre São Roque e o azul do Tejo
passam por aqui os marujos e os calafates
e mais soldados para os navios da Índia.
Por aqui passaram os ardinas a correr
gritando notícias de primeira página
todos derreados pelas sacas dos jornais.
Hoje a desordem está mais massificada
garotos de 14 anos apanham bebedeiras
urinam as portas das casas e os automóveis.
Estudantes do Erasmus pegam em garotas
que deitam no tejadilho dos automóveis
dos moradores que sofrem desprevenidos.
Há gente a vender cerveja em garrafa na rua
a meninos que depois colocam a garrafa
junto ao pneu do carro já à espera do furo.
Ao contrário dos lojistas de Cesário Verde
Marta não se enfada no calor das tardes
lembra as filhas, conhece o tempo e o lugar.

José do Carmo Francisco

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